quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Ai... esses Boguís...

Segue uma pequena estória que criei para desenvolver alguns temas que venho tratando neste blog.
Boa leitura!

***

COMEÇO DA ESTORIAZINHA

Estou eu protagonizando uma historia para o meu blog quando de repente me vejo impelido a ajudar uma comunidadezinha de pescadores imaginária.
Chego na praia onde eles habitam. É absolutamente longe de qualquer coisa.
É uma comunidade bem pequena: Uns 30 habitantes, a maioria criança.
Logo vejo que há motivos para serem ajudados: A estrutura deles é absolutamente rudimentar (uma cabana onde dormem e uma outra que serve de escola para as crianças) e as crianças revelam uma magreza excessiva. Fora isso, a única coisa que têm é uma jangadinha.

Sou apresentado ao chefe da comunidade: o pescador Boguí.
Boguí me revela toda a origem da comunidade deles:

Há mais de 200 anos, o pescador-mor, Bogum, "o Grande", chegou nessa praia com sua mulher e sua jangada (a mesma jangada que estava lá agora), desenvolveu sua família e dedicou sua vida a pescar para mantê-la. Os filhos foram tendo filhos... e a comunidade foi passando pelo tempo até chegar aos dias de hoje.

Perguntei a ele como eles sabiam tão bem sobre suas origens e ele me explicou que eles têm um livro, escrito pelo próprio Bogum, "o Grande", para os seus filhos no qual ele dita as regras para se viver e conta por cima a sua história.

Ele foi buscar o livro para mim e me explicou: "A primeira parte foi toda escrita por Bogum, "o Grande", ela dá os ensinamentos de como se viver etc... E a segunda parte é formada por escritos dos seus descendentes contando histórias de pescador..."

*

Basicamente, a vida da comunidade é muito simples.
Os adultos saem de manhã para pescar na jangadinha (batizada de "Bogua") e as crianças passam o dia na escola lendo e relendo o "livro da família".
De noite, os adultos chegam com os peixes, todo mundo come e vai dormir para no dia seguinte fazer a mesma coisa.
E assim vem sendo desde Bogum, "o Grande".

Notei no entanto o quanto as crianças estavam magras, sinal claro de falta de alimentação, e como isso estava afetando seus intelectos e suas vidas.
Comentei sobre isso com Boguí.
Ele me respondeu...

BOGUÍ - Bem... Dividimos os peixes em porções exatamente iguais para todo mundo.

EU - Sinal talvez de que a pesca com essa jangada não esteja mais dando conta.

BOGUÍ - hein? ...

EU - O que eu quero dizer é que talvez a gente (pois eu estava disposto a ajudar) devesse encontrar outras maneiras de pescar para podermos ter mais peixes...

BOGUÍ - É... Talvez seja verdade..

EU - Eu posso trazer um monte de material de lá de onde eu moro e construirmos mais barcos!

BOGUÍ - Mais barcos?

EU - Sim! Mais barcos! Assim conseguiremos pescar mais peixes por dia!

BOGUÍ - Entendi... Mas no capítulo 2 do Livro está escrito que temos que usar a Bogua para pescar.

E ele leu o trecho: "Meus filhos, usem a Bogua, presente do vosso pai, para pescar e assim vos alimentar"

EU - Sim... Claro... Mas nada impede de vocês continuarem usando a Bogua.

BOGUÍ - Humm...

EU - Vocês podem começar a usar redes também. Assim vocês conseguem muito mais peixes do que com essas duas varas que vocês têm.

BOGUÍ - Sei... Mas no capítulo 3 do livro está dito assim: "Filhos, usai estas duas varas, presentes do vosso pai, para fisgar o peixe e assim vos alimentar com ele".

EU - Sim, caro Boguí... Mas é porque na época não existia outra coisa que senão as varas. Mas hoje que podemos ter a rede, usemos a rede!

BOGUÍ - Não... Mas a palavra é clara: "usai estas duas varas para fisgar o peixe".
Está escrito!

Percebi que não seria fácil convencer Boguí a enxergar o benefício e a importância de desenvolver sua maneira de pescar.

EU - Certo. Mas voltando aos barcos então: com o avanço da ciência que já atingimos lá onde eu moro, poderíamos construir lanchas, barcos movidos a motor, usarmos arpões para conseguirmos os peixes... A quantidade de peixes ia ser muito maior e ninguém mais passaria fome!

BOGUÍ - Mas e a Bogua?

EU - A Bogua? Bem... Em meio a tantos barcos mais desenvolvidos não faria muito sentido ainda usá-la...

BOGUÍ - Hein?!! Não! Então nada disso!
Está E-S-C-R-I-T-O: "Meus filhos, usem a Bogua, presente do vosso pai, para pescar e assim vos alimentar".
É a palavra de Bogum o Grande, nosso pai!
E a palavra dele não muda!

EU - Mas veja... Essas coisas não podem ser interpretadas de uma forma absoluta e eterna. O que você deve tirar dessas palavras de Bogum o Grande é que ele desejou para o seus filhos que eles conseguissem se alimentar, sustentar seus próprios filhos e enfim, passar esse conhecimento e esses valores de geração em geração.

BOGUÍ - Hein??!!

EU - Esquece...

Nesse momento, percebi num lugar uma grande quantidade de fruteiras, cheias de frutas, entre outras diversas vegetações. Fiquei perplexo.

EU - Mas... E essas frutas todas? Por que vocês não comem??!

BOGUÍ - Porque no capítulo 5, Bogum o Grande diz: "Meus filhos, não comai senão o que vem do mar".

Na hora eu imaginei o que devia ter acontecido com o velho Bogum: Em meio às fruteiras havia também muita vegetação venenosa. Um dia, algum filho dele deve ter comido essa vegetação venenosa e passou mal, ou até morreu.
Sem saber exatamente o que era a causa - mas desconfiando - deu então essa ordem para seus outros filhos:
"Meus filhos, não comai senão o que vem do mar".
Pois peixe ele sabia que era bom.

Eu disse então a Boguí:

EU - Mas veja... Hoje em dia já sabemos identificar na natureza o que é bom ou o que é ruím. Algumas frutas são excelentes para a saúde e alimentam!

BOGUÍ - Nada disso! Está no Capítulo 5!

EU - Mas...

BOGUÍ - Capítulo 5! Capítulo 5!

EU - Mas seus filhos estão passando fome! Você quer isso para eles? Não era isso que Bogum queria para os seus filhos quando ele ensinou-lhes a pescar!

Boguí ficou visivelmente perturbado.

BOGUÍ - Cala-te!! Você está me confundindo!
E no Livro, Bogum o Grande diz: "cuidado com aqueles que te confundirem. Se passarão por bonzinhos mas na realidade só querem o seu peixe para eles"

EU - Eu?? Claro que não!

Mas já era tarde...Boguí dera o sinal e a comunidade toda avançava contra mim segurando machadinhos na mão.
Estava prestes a ser massacrado!
Decidi então que essa fantasia estava na hora de terminar.

E, na velocidade de um pensamento, sumiram as barracas, os membros da comunidade e a Bogua.
No lugar, surgiu um grande Risort 6 estrelas na beira-mar e Vinícius e Toquinho tocando e cantando ao vivo para mim enquanto eu saboreava uma deliciosa torta alemã.
No entanto, não conseguí desfrutar plenamente da torta alemã porque uma voz não parava de ecoar na minha cabeça:
"Capítulo 5! Capítulo 5!"

FIM DA ESTORIAZINHA

***

No próximo post comentamos sobre essa estória.

A paz meus irmãos!

2 comentários:

Alvaro A. de Vasconcellos Leite disse...

Algumas perguntas, a título de esclarecimento, ao autor da “historiazinha” (ou será uma parábola?) que integra esta postagem:
Quando Bogum , “o Grande” chegou à praia, há mais de 200, anos trouxe mais alguém com ele além da mulher?
Se a resposta for afirmativa, deve haver um sério problema genético na comunidade dos descendentes daquele primeiro casal, pois o incesto vem sendo cometido há várias gerações, mas, se for negativa, quem é esse outro povo que não descende de Bogum, “o Grande” e de sua mulher?
E esse povo, que supostamente já vivia na praia, aceitou sem contestação as regras deixadas por Bogum, “o Grande”?
Talvez as respostas para todas as minhas perguntas estejam no Capítulo 5.
Quanto ao espetáculo de Vinícius e Toquinho, deveria incluir, também, a Márcia, trio que eu, por acaso, já assisti ao vivo, quase que na mesma época em que Bogum, “o Grande” chegou à praia dele.
Parabéns pela excelente narração e, principalmente, imaginação.

Henrique Vieira disse...

Olá Alvaro!
Bem...
Alguns historiadores afirmam que já havia alguns nativos lá e que eles provavelmente eram oligofrênicos (e por isso não foi dificuldade nenhuma impor a eles os mandamentos de Bogum, "o Grande").

Outros historiadores, no entanto, defendem que, se foi possível que isso acontecesse há milhares de anos lá pelas bandas do Tigre e do Eufrates, foi possível também com Bogum, "o Grande", e sua mulher há 200 anos atrás.

Esta última possibilidade é a mais provável uma vez que é a preferida (por motivos de coerência com o que se quer passar) pelo próprio autor.

Quanto a Toquinho e Vinícius, eles me contaram (depois que eu acabei a torta) que estavam muito felizes de poder tocar juntos de novo depois de tanto tempo e me pediram para chamar os seus velhos amigos. Coisa que fiz de imediato.
Foi uma noitada e tanto! ;)

Obrigado Alvaro pelo sempre bem vindo comentario! =)