segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O "respeito"

Lendo o excelente "História do Cristianismo" de Bruce L. Shelley, me deparei com uma frase que me chamou a atenção.
Foi enquanto ele falava sobre os fariseus, essa "casta" religiosa da sociedade judáica da época de Cristo. Os fariseus seguiam à risca os ensinamentos das Escrituras Sagradas: jejuavam duas vezes por semana, davam o dízimo de absolutamente tudo que eles ganhavam, etc.
A frase é a seguinte:

"A falha desse indivíduo (um fariseu citado) estava na exaltação que fazia de si mesmo e no olhar cruel que tinha em relação aos outros. Os fariseus se consideravam os únicos justos e viam aos demais mortais sob uma rígida condenação".

É engraçado porque: eu não consigo ler essa frase e não fazer uma ligação direta com muitas das pessoas religiosas que eu conheço.
Isso se aplica a qualquer tipo de radicalismo religioso.
Ser radical demais cega o entendimento e só leva as pessoas à intransigência e à discórdia.
Essas últimas duas coisas estão muito longe dos ensinamentos de Cristo sobre amor e respeito.

***

Eu acho muito interessante, sobretudo em meio religioso, falar de respeito.
O respeito é base do amor, essência suprema de Deus. Afinal, o que Jesus veio nos ensinar aqui na terra é isso: amor, respeito e humildade.

Mas o que é precisamente o respeito?
É bem verdade que existem muitas maneiras de se encarar o respeito.
Na Máfia Cosia italiana, o gigante respeito ao padrinho (o “cappo”) é baseado num temor absoluto ao seu poder. A pessoa que está sob proteção do padrinho desfruta de muitas vantagens mas também sabe que ao menor deslize, sua vida pode ser a única forma de pagamento. Também muitos são os casos de pessoas que conseguiram reunir poder suficiente para poder passar por cima do padrinho, matá-lo, e ser, por sua vez, o padrinho respeitado por todos.

Esse tipo de respeito definitivamente não é o respeito do qual veio nos falar Jesus Cristo.

Jesus nos apresenta o respeito como base do amor... Como parte constituinte do amor!
Porque para se amar é preciso antes de tudo respeitar. E para respeitar é preciso antes de tudo amar.
Para respeitar alguém, é preciso, antes de tudo, que você encare aquela pessoa como se fosse seu irmão. Talvez um irmão complicado, chato, brigüento, difícil de suportar...
Mas um “irmão”!
Aquele de quem você tem orgulho, aquele de quem você acredita em sua capacidade humana, aquele que pode ser pior em algumas coisas do que você, melhor em outras, mas que é absolutamente igual perante os nossos pais.

***

Eu gosto muito de falar de “respeito” numa determinada situação que é a do “confronto de idéias em assuntos religiosos”.

Estamos eu e uma pessoa discutindo sobre uma idéia, um assunto. E mais: um assunto que para ambos é muito importante e mexe muito com as nossas emoções.
Eu tenho uma posição muito clara sobre esse assunto e essa pessoa também. No entanto nossas posições diferem. São contrárias uma à outra.

No final, após um clima tenso e talvez até desagradável, quando nenhum dos dois abriu mão de sua posição, eu, bastante tocado com este assunto, convicto de que ele está errado e lamentando que meu caro amigo não tenha ainda “enxergado a verdade”, digo: “tudo bem... você faz o que você quiser. Eu respeito”.

“Eu respeito”?!!
Como assim?
De que forma eu o estou respeitando?

Primeiramente: “Você faz o que você quiser”?
Claro que ele faz o que ele quiser!!
Quem sou eu para definir o que ele pode fazer ou não? Quem sou eu para ter que abençoar ou não a atitude dele?
Isso está absolutamente fora do meu alcance e do meu poder!
Se eu interferisse nisso eu estaria transgredindo regras e espaços que não são meus.

E o respeito não se faz por apenas “tolerar a religião do outro", por poder fazer algo de errado e não fazer...
“Não fazer errado” não é mais do que nossa obrigação a todos!

“Respeitar” é algo interno a mim mesmo.

Mesmo absolutamente convicto da minha posição, eu tenho que estar convicto também de que há a possibilidade concreta do outro estar certo e eu estar errado!

Mas como???!!
“Eu não consigo imaginar outra possibilidade de isso estar certo!”
Claro que eu não consigo! Senão eu não estaria convicto de que minha posição é a única correta.

No entanto, devemos ter a humildade de admitir que, como disse Shakespeare pela boca de Hamlet, “há muito mais coisas entre o céu e a terra do que jamais alcançará nossa santa sabedoria!” E que, portanto, não temos condições de certificar por completo, por mais que para nós mesmos esteja certificado, de que algo é o que afirmamos ser no mundo espiritual!

Temos a obrigação de admitir que algo pode nos fugir e que o posicionamento do outro pode sim estar correto de alguma forma, embora eu não consiga sequer vislumbrar a veracidade dele.

Por sinal, o próprio conceito de “certo” e “errado” é algo bastante complexo e muito relativo. Basta ler filósofos como Karl Popper e Friedrich Nietzsche para ver como o conceito de “verdade” é complexo e variável.

Quando eu era menino, eu assistia Peter Pan e era Peter Pan de um lado e o Capitão Gancho do outro. Era o Rei Leão de um lado e o tio malvado Scar do outro...
Lembro-me muito bem de uma vez que estava assistindo um filme “de adulto” com o meu pai e me espantei ao ver o “mocinho” fazer algo de caráter duvidoso.
E eu perguntei ao meu pai: “Pai, mas ele não era bonzinho?”
E ele me respondeu: “Meu filho, no mundo dos adultos, a gente vê que nunca as pessoas são completamente boas ou completamente más”

Respeitar alguém é respeitar suas idéias.
E não podemos respeitar uma idéia se temos a convicção a 100% de que ela esteja errado.
Posso ter convicção da minha idéia e a idéia do outro ser absolutamente antagônica à minha. Isso nos levaria por dedução à conclusão de que a outra idéia deva ser absolutamente errada.
Mas não é assim que funciona!
Não há respeito nesse último caso!
O escape para isso é admitir humildemente que a minha idéia pode ter suas falhas. Mesmo que eu não consiga sequer imaginar alguma (afinal, estou convicta dela!).
E se minha idéia tem a capacidade de ter falhas, é porque aquela idéia antagônica à minha tem a capacidade de ter acertos.
E isso é respeito!

Jesus veio nos dizer que a coisa mais importante dessa vida é amar o próximo.
Amar a cada ser humano que está passando por essa terra.
“Ser cristão” não exige absolutamente nada a mais do que isso!

E como bons cristãos, não podemos nunca, em nosso interior, ter a certeza, por exemplo, de que as outras religiões estão erradas em suas maneiras de conhecer, cultuar, e viver Deus!

***

Deus abençoe a vocês todos meus amigos!

Senhor,
Que a paz e o amor reinem em nossas vidas!
Que possamos nos desprender de qualquer traço egoísta e egocêntrico!
Que possamos sempre desejar, do fundo do coração, a felicidade do outro!
Que possamos, Senhor, respeitar! Sempre!
Amém!

Nenhum comentário: