terça-feira, 4 de março de 2008

Carta aos céticos (e a todo mundo!)

Olá pessoal!

Gostaria de propor uma "carta aos céticos" ou seja, àqueles que declaram não acreditar em Deus.
E gostaria que ficasse claro que não vou seguir aqui uma linha de raciocínio "evangelizadora", como que tentando convencer alguém da existência de algo ou não.
Muito pelo contrário: o que pretendo fazer é um pequeno estudo sobre a abordagem conceitual do que é Deus e mostrar que o que eu chamo de Deus não depende de fé mas é muito mais um desenvolvimento argumentativo ao qual, por liberdade lingüística, atribuo à palavra "deus".

Minha teoria parte do princípio que é inegável a existência de algo maior. E para aqueles que já estão tentados a parar a leitura em reação a esta afirmação, peço-lhes um pouco mais de paciência para entender o que eu quero dizer.

É inegável a existência de algo maior.
Em que sentido?
No sentido de que, a partir do momento em que entramos nessa vida, somos sujeitos a diversas coisas que fogem absolutamente do controle humano. E não estou falando de trovões e intemperias (pois à velocidade que anda a ciência, não duvido que em breve estaremos controlando até mesmo isso).
Estou falando de "condições" inerentes aos próprios conceitos de vida e de ser humano.
A partir do momento que entramos nessa vida estamos sujeitos à própria vida.

A partir do momento em que nascemos, estamos sujeitos, por exemplo, à emoção (ou: sentimento).
Não decidimos sermos submetidos às emoções ou não.
Estar bem, estar mal, estar triste, estar eufórico, são estados impostos a nós pela simples condição de vida que representamos. Não existe a opção para nós de simplesmente não sentirmos.
E até mesmo o estágio de "não sentir nada" consiste no "sentimento de apatia", um sentimento em si.
Não podemos fugir dos sentimentos.

Outra condição inerente à nossa condição de ser humano é a materialidade.
Existimos materialmente num determinado espaço físico e somos sujeitos às leis físicas que o regem. E por mais que consigamos entender as leis físicas e até brincarmos com elas, a nossa integridade humana não consegue escapar à materialidade.
Não temos o poder de manipular nossa própria materialidade.
A temática sobre o sentimento de "estarmos presos" ao nosso corpo é algo muito recorrente na filosofia pois se apresenta como uma clara limitação do homem em relação à vida.

Esses dois pontos já servem para nos mostrar que é claramente constatável a existência inegável de fatores onipresentes em nossas vidas e que fogem do nosso controle.
E, mais do que fugir ao nosso controle: elas de certa forma nos controlam, pela simples submissão às quais elas nos impõem em vida.

Falamos apenas desses dois fatores pois com eles já podemos seguir adiante em nossa linha de raciocínio. Mas são inúmeras as limitações humanas diante da vida.

A vida parece se apresentar como algo a quê o homem está definitivamente submisso.
Notem que eu disse "a vida". Pois muitos tenderiam a enfatizar o fato que a natureza é dominada pelo homem a cada vez mais e que é difícil prevermos o limite desse domínio. Isto é bem verdade.
Mas "a vida" escapa ao limitado conceito de "natureza".

***

É engraçado perceber que - mesmo que possa parecer - a vida não é "déspota" de uma forma absoluta.
Pois há uma alternativa à vida: a morte.

É muito compreensível o fascínio e o mistério que existem em torno da morte.
Pois de tudo que possa ser desconhecido nesta vida, de todos os mistérios que possam atormentar o ser humano, a morte é o único que rompe com a própria vida.
Ela se mostra como a única saída do que representa a totalidade da experiência humana.

Independente do que haja após morte (se é que haja qualquer tipo de coisa), ela definitivamente representa uma ruptura com a totalidade da experiência humana. Inclusive com qualquer coisa que consigamos atingir por meio da nossa imaginação.
Pois a imaginação é ela mesmo parte integrante da vida como a conhecemos e conseqüentemente limitada à própria vida.
(lembrem-se: "vida" e não "natureza", pois é óbvio que nossa imaginação ultrapassa de longe os conceitos naturais)

O tema da morte representa uma grande parte das discussões ontológicas e está praticamente sempre na base de toda fundamentação religiosa.
Não quero no entanto me ater a ele neste artigo. Em outro, abordarei o tema da morte de forma mais profunda.

***

Volto então a enfatizar a constatação de que "a vida" se faz inabalável diante do homem que, por mais que desfrute de grande liberdade em sua existência, só tem uma opção (fora aquela da morte): a de se submeter aos paradigmas da vida.

A "vida" em si rege a existência humana.
O próprio conceito de liberdade humana, por mais expandida que seja, só se faz dentro dos moldes da vida.

O homem está submisso a esta coisa maior que si mesmo: a vida.

***

Estabelecida esta base de raciocínio, podemos começar a investigar o que nos interessa: O que podemos compreender da vida e, conseqüentemente, que postura deve o homem tomar diante dela?
(E depois, por que não, tentar introduzir o conceito de Deus nisso tudo, embora eu tenha certeza que muitos a essa altura já imaginam onde eu quero chegar...)

E eu gostaria para isso de usar o postulado científico, que ao meu ver é a forma de raciocínio mais humilde criada pelo homem - por mais estranho que isso possa soar àqueles religiosos fundamentalistas que estremecem ao ouvir qualquer referência ao mundo científico.

Acredito que o método científico seja o mais humilde pois a ciência parte sempre do preceito que todo o seu conhecimento está sempre vulnerável à contestação. (isso para mim é a base absoluta da humildade)
E a conseqüencia disso é que na própria elaboração do seu saber, a ciência se faz cautelosa.

Exemplo disso:
Isaac Newton, pai da física mecânica que revolucionou o mundo científico, começa a sua teoria com o seguinte postulado: "tudo se passa como se massa atraisse massa"

Vocês notam que ele não afirma nada como verdade absoluta. Ele apenas nos diz:
"Olha... Se é assim ou não, eu não sei. Só sei que tudo se passa como se fosse assim e é em cima disso que eu vou desenvolver minha teoria"
E ele desenvolveu sua teoria.
E ele viu que era bom.
E não só ele viu que era bom. Suas teorias tiveram impacto enorme sobre a ciência e representaram o maior avanço tecnológico e científico que a história já havia conhecido até então. A era industrial desenvolveu-se em base a suas teorias... O mundo nunca mais foi o mesmo!
E no entanto, a todo momento, se voltássemos à base de sua teoria e perguntássemos:
"Você pode afirmar que é assim mesmo?"
Ele só poderia responder:
"Olha... Afirmar de forma autoritariamente categórica? Não."

Tanto é que alguns poucos séculos depois, um outro cientista, que costumava responder pelo nome de Einstein, percebeu que as teorias de Newton, mesmo com todo o alcance concreto que elas haviam atingido, não respondiam a determinadas situações de uma maneira condizente com a realidade perceptível. E assim, desenvolveu toda uma nova gama de paradigmas, que não anulam a eficiência daqueles de Newton mas se destinam a casos específicos que Newton não conseguiu abordar. E foi assim que desenvolveram-se os paradigmas quânticos que permitiu a energia nuclear e uma série de outros avanços significativos para a humanidade.

O que eu estou querendo mostrar com tudo isso é que diante da inefabilidade da vida, não há como nós, míseros vassalos da vida, termos a pretensão de afirmar qualquer tipo de verdade absoluta. Vale sim, observarmos a vida e, assim como Newton, nos indagarmos o que fazer diante do que nos parece real. Com a consciência clara de que sempre podemos rever antigos paradigmas e implantarmos novos.

***

Em cima disso, podemos tentar traçar quais foram, durante toda a história da humanidade, os caminhos do homem em sua interpretação do que consiste a vida em si.
E, no fundo, este é o papél fundamental, embora não por incumbência, da religião.

Independente da roupagem da religião (animista, fetichista... judáica, cristã, hinduísta, budista,...), todas elas passam pela interpretação do que é esta instância maior a nós mesmos.
Instância esta que representa todo o universo - material e lúdico - ao qual pertencemos e somos partes integrantes e que rege nossa existência com suas leis paradigmais...
O que até agora chamamos de "vida", poderíamos, por que não(?), passar a chamar de agora em diante de "Deus".

Afinal, o conceito de "vida" que venho trabalhando se enquadra direitinho no que universalmente se aceita como a idéia de "Deus":

* É algo absolutamente maior do que nós mesmos.
E embora sejamos parte integrante dessa instância maior, somos infinitamente menor que ela como um todo - se é que o conceito de "todo" se aplica a isso visto que o "todo" implica no conceito de algo que em algum momento se fecha em si mesmo.

* É algo absolutamente maior do que nós mesmos inclusive de um ponto de vista inteligível, ou seja: foge absolutamente à nossa capacidade de compreensão (mesmo considerando nosso potencial ludíco como infinito - visto que o próprio conceito de infinitude lúdica se vê inserida nesta instância maior e limitada a ela)

* É algo que rege nossa vida de forma absoluta. Pois mesmo o conceito de liberdade que temos só faz sentido quando inserido num contexto intrínsico a esta instância maior.

* Qualquer modificação e transformação de qualquer ordem (inclusive aquelas geradas pela iniciativa humana) se fazem dentro de sua estrutura (por mais inatingível que esta seja para o nosso intelecto)

***

A maneira do ser humano se relacionar com qualquer tipo de coisa parte do pressuposto de uma distinção clara entre o EU e o OUTRO (a "outra coisa")
Inclusive, isto tem origem nos primeiros momentos de vida da criança quando esta percebe que ela é algo diferente da sua mãe, que até então representava para ela uma extensão de si mesma.

Nesse contexto, fica difícil para o homem tentar se relacionar com algo maior do que ele mas que ao mesmo tempo tem em si mesmo o próprio homem.
E é seguindo isto que o homem vai "personificar" o conceito do "todo", do "absoluto", isentando-se de sua própria essência.
É dessa forma que vemos relatos religiosos tratar de Deus de uma forma externa, como se ele fosse um entidade distinta de nós mesmos.
"Então, disse Javé a Moisés:..."

A "personificação" de Deus - ou ainda: a "personificação" da vida como um todo - foi um processo natural e necessário ao homem para que ele pudesse encarar sua própria sorte.

É no entanto um dos maiores motivos de ceticismo em nosso tempo. Pois tornou-se muito difícil, com o grau de consciência e conhecimento que o ser humano atingiu, acreditar num conceito de "entidade" (que é um conceito absolutamente antropomórfico) que por si só regesse tudo.

Sobretudo se acrescentarmos a isso os atributos culturais de que esta entidade, por exemplo, comportando-se de forma absolutamente humana, teria aberto majestuosamente o mar vermelho para Moisés. Ou ainda que esta entidade teria criado o ser humano assim como é narrado no livro do Gênesis da Bíblia, uma vez que sabemos hoje que não pode ter acontecido dessa forma.

Ou seja, a discussão do ateísmo passa pela aceitação ou não da imagen alegórica que as culturas criaram sobre o conceito de Deus.

No entanto, é preciso mesmo com tudo isso entender a relevância do progresso humano que as religiões representam.

Meu intúito agora é tentar perceber, com a ajuda de todo o legado humano que temos até os dias de hoje, qual seria a essência disto tudo, ou ainda: a essência de Deus. E para isto, além do maravilhos legado da filosofia racionalista, as religiões assumem um papel fundamental nesta questão.

Por exemplo: assim como a religião cristã, diversas religiões chegaram à conclusão de que a essência da vida (a essência de "Deus") era o amor. Seja isto dito de uma forma por uma determinada religião ou de outra forma por uma religião diferente.

É aquilo do que eu estava falando: "Tudo se passa como se a vida encontrasse harmonia no amor"...

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Pessoal, eu preciso sair agora. Mas voltem a ler este artigo em alguns dias pois estarei completando ele. Não posso continuar agora, infelizmente.

Um abração a todos!!